Casa Âncora, Caminha, 1999
Não construído
Arquitectura
José Gigante
Vítor Rosas da Silva
Colaboração
Fernando Santos
Projecto de Comportamento Higrotérmico
Prof. Eng. Vasco Peixoto de Freitas, Lda.
Projecto de Fundações e Estruturas
António Soares Vieira
Projecto de Instalações e Equipamentos de Águas e Esgotos
Eng. António Soares Vieira
Projecto de Instalações e Equipamentos Mecânicos/Rede de Gás
Eng. António Soares Vieira
Localização
Âncora, Caminha, Portugal
Data de projecto
1998-1999
Fotografia
Arménio Teixeira
De início, tratava-se de recuperar uma construção existente situada à cota mais baixa, junto à entrada no terreno: uma casa de lavoura abandonada, em avançado estado de degradação e incaracterística do ponto de vista arquitectónico. Mas o terreno escondia outros desígnios... Dispondo de condições excepcionais no que se refere ao enquadramento paisagístico, situa-se num dos pontos mais elevados da aldeia, com uma magnífica panorâmica abrangendo o vale do Rio Âncora que se estende para Nascente. Daí que tenha surgido a ideia de construir a casa na sua plataforma mais elevada, elegendo aquele como quadrante principal mas sem esquecer as vantagens de uma abertura mais ampla capaz de colher também os benefícios que a orientação a Sul poderá acrescentar. O projecto, porém, não esquece que a relação entre o volume e a paisagem tem dois sentidos que se completam: contemplam-se mutuamente, já que o edifício a construir passará a ser elemento indissociável da leitura do lugar. Daí que a casa ensaie uma forma contida de apropriação do terreno, procurando deliberadamente seleccionar a parcela onde a transformação se deverá expressar e circunscrevendo o tratamento dos espaços exteriores ao acesso e à área de implantação do novo volume. À cota baixa, desenvolver-se-á uma área agora mais ampla, resultante da demolição das construções existentes, das quais restarão apenas alguns muros delimitando um terreiro de entrada. Daqui partirá o caminho de acesso automóvel à habitação. O acesso de peões, esse, tanto poderá fazer-se pelo mesmo caminho como subindo ao longo das plataformas naturais, recorrendo aqui e ali ás pequenas escadas existentes que as pontuam. A casa é constituída por um volume de betão armado aparente, geometricamente simples, pousado sobre uma das plataformas mais elevadas. Para limitar e regularizar tal plataforma, desenhou-se um muro de granito que, de certo modo, constitui visualmente o embasamento do volume e que, parcialmente, abriga o piso inferior da habitação. O muro, rasgado apenas pela janela do escritório aí situado, será construído com pedra resultante da demolição da casa existente e desenvolve-se segundo uma curva que, acompanhando as linhas de nível do terreno natural, permite manter constante a altura da superfície de granito. Simultaneamente, tal encurvamento permite tornar mais expressiva a relação entre base e volume, demarcando este último através de uma ligeira consola que, gradualmente, se vai libertando do muro onde pousa Um outro muro, de idêntica altura, limitará a mesma plataforma na extensão compreendida entre a fachada da habitação e a piscina, acentuando a horizontalidade do suporte que serve de base ao volume superior. Volume que, como já referido, se desenha num compromisso explícito com a paisagem, abrigando uma sucessão de espaços interiores envidraçados a Nascente e complementados pelo alpendre que, integrado no mesmo corpo, estabelece discreta mas directa relação com a plataforma voltada a Sul. Tal alpendre poderá ser fechado, fazendo correr uma portada exterior que recolhe na restante superfície da fachada, procedimento que permitirá dotá-lo de uma dupla identidade: ora espaço exterior ora espaço complementar da sala, assim permitindo gerir a sua apropriação do modo que as circunstâncias, climáticas e outras, aconselharem. A casa desenvolve-se em dois níveis o que, para além de melhor identificar os espaços pela criação de pés-direitos diferenciados com dilatações no sentido da visualização da paisagem, abre caminho, sem questionar a regularidade exterior do volume, para o desenho de um extenso parapeito, sob a caixilharia de madeira, com cerca de 0,70 m de altura. De facto, e apesar da leitura exterior do edifício deliberadamente criar a ilusão de uma superfície envidraçada em toda a altura do espaço habitado, o facto é que tanto sala como quartos dispõem de um parapeito com aquela altura e largura suficiente para sua adaptação a várias funções (mesa, estante, armário, cómoda, etc.), conferindo um acrescido nível de conforto e estabilidade aos espaços que claramente se contrapõe à aparente vertigem que a percepção exterior do volume parece sugerir. É no modo explicito com que se desenha a linha horizontal que nivela aquele parapeito com o pavimento do alpendre que ganha consistência a referida ilusão de aligeiramento do corpo de betão, consolidada numa sucessão de detalhes que passam tanto pela decomposição volumétrica da sua base como pela participação dos espessos caixilhos de madeira na definição da altura do móvel polivalente que se estende ao longo da fachada. Se alguns temas se pudessem destacar no quase sempre emaranhado processo de produção de um projecto, esses seriam, neste caso, o da contraposição entre a leveza e a densidade, entre o aparente e o real, entre as leituras diversas que afinal definem as várias escalas de apropriação dos espaços.